terça-feira, 10 de abril de 2018

Os cardeais Burke e Brandmüller falam do cisma, autoridade papal e o Sensus Fidei


Tradução de Airton Vieira – Na conferência do dia de hoje em Roma sobre o estado da Igreja Católica – “Igreja Católica, Aonde vais?” – o cardeal Raymond L. Burke, um dos quatro Cardeais das dubia, fez alguns comentários surpreendentes sobre seu querido colega das dubia, o cardeal Joachim Meisner, que faleceu no verão passado. Burke revela agora que, depois de escutar o discurso do cardeal Walter Kasper sobre o matrimônio no Consistório de fevereiro de 2014 – o que começou todo o processo de abrir a porta à Sagrada Comunhão aos “recasados” nos sínodos e finalmente pela publicação de Amoris Laetitia– Meisner lhe disse que previa as espantosas consequências rumo as que estas coisas se estavam dirigindo. Em sua conferência do dia de hoje, Burke contou a conversação que teve com este Cardeal alemão*:


Após o discurso inaugural do cardeal Walter Kasper durante o Consistório Extraordinário de fevereiro de 2014, enquanto saíam da sala do Sínodo, [o cardeal Meisner] aproximou-se de mim e me expressou sua preocupação pela falsa direção na qual o discurso inaugural [de Kasper] dirigiria à Igreja se não houvesse uma adequada e rápida correção. Além disso agregou: “tudo isto terminará em cisma.” Desde esse momento fez todo o possível para defender a palavra de Cristo sobre o matrimônio. [Ênfase agregada na notícia original]
O cardeal Burke disse estas coisas ao início de sua conferência já que queria honrar a ambos, ao cardeal Meisner e ao cardeal Carlo Caffarra, dois dos quatro cardeais das dubia que faleceram sem receber nunca uma resposta a suas preocupações por parte do Papa. Burke elogiou a firme postura do cardeal Meisner dizendo “ele esteve, desde o início deste bom combate, aí para defender e promover as verdades fundamentais do matrimônio e a família, e completamente unido ao cardeal Caffarra, ao cardeal Walter Brandmüller, e a mim.” “Como um verdadeiro pastor do rebanho do Senhor,” continuou Burke, “pensou que seu primeiro dever era a incansável apresentação do ensinamento de Cristo na Igreja.” Enquanto o mesmo cardeal Meisner estava “clara e profundamente preocupado pelo verdadeiro estado da Igreja, não omitiu expressar sua completa fé no Senhor, que não falhará em sustentar seu Corpo Místico na verdade da fé”.


Já que deste modo os quatro Cardeais das dubia se reuniram hoje uma vez mais –se não em corpo, ao menos em espírito – lhes apresentamos aqui as enternecedoras palavras que o cardeal Burke dedicou a seus dois falecidos colegas:
“Hoje, honrando a memória do grande cardeal Carlo Caffarra, também honramos – porque estou seguro que o cardeal Caffarra teria gostado que os fizéssemos-  a memória do cardeal Joachim Meisner, quem, junto ao cardeal Caffarra, de acordo com as palavras de São Paulo, combateu o bom combate da fé, terminou o caminho de sua missão episcopal para o bem de inumeráveis almas, e, com fidelidade e generosidade, conservou a fé: Requiescat in pace!”
Em seguida apresentaremos algumas ideias importantes como foram expressadas hoje por ambos, o cardeal Burke e o cardeal Walter Brandmüller. Depois, esperamos promover uma ampla cobertura sobre a conferência. Enquanto o cardeal Burke falou mais acerca dos limites do poder papal, o mesmo cardeal Brandmüller discorreu sobre o tema do sensus fidei e o papel dos fiéis leigos na defesa da Fé.
Já que parte da palestra do cardeal Burke coincidiu com as coisas que acabava de dizer em sua recente entrevista, nos concentraremos somente em algumas de suas palavras.
O cardeal Burke – que é ele mesmo um canonista e antigo chefe da Assinatura Apostólica- faz em sua palestra um repasso da tradição canônica e dos ensinamentos do Concílio Vaticano I acerca da primazia papal, sempre tocando na mesma tecla de que o poder do Papa deve ser pelo bem das almas e em união com a Sagrada Tradição. Ao final primeiro cita a carta aos Gálatas onde São Paulo diz “[…] mesmo quando […] um anjo do céu vos anunciasse um evangelho distinto do que vos anunciamos, seja anátema!” E também ao canonista Graçano, que disse o Papa não pode ser julgado por ninguém – ao menos, por suposto, que se desvie da fé.
O cardeal Burke expressou sua esperança de que esta palestra “possa ajudar-lhes a entender a necessidade, e ao mesmo tempo a grande prudência, que deve ter lugar no exercício da totalidade do poder do Romano Pontífice, a fim de salvaguardar e promover o bem da Igreja Universal.” Continuou dizendo:
“De acordo com a Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição, o sucessor de São Pedro goza de um poder que é universal, ordinário e imediato sobre todos os fiéis. É o supremo juiz dos fiéis e não há autoridade humana superior sobre ele, nem sequer o dos Concílios ecumênicos. Ao Papa pertence o poder e a autoridade de definir doutrinas, condenar erros, promulgar e ab-rogar leis, atuar como juiz em todas as matérias de fé e moral, decretar e impor castigos, nomear e, se for necessário, retirar pastores, porque tal poder vem de Deus mesmo, é limitado pela lei natural e a lei divina, as quais são expressões da verdade e do eterno e imutável bem que vem de Deus, que estão completamente reveladas em Cristo e que foram transmitidas sem interrupção na Igreja. Portanto, qualquer expressão de doutrina ou práxis que não esteja em conformidade com a Revelação Divina, contida nas Sagradas Escrituras e na Tradição da Igreja, não pode ser considerada um autêntico ministério apostólico ou Petrino e deve ser rebatido pelos fiéis. Como São Paulo declarou: “Me maravilho de que abandonando ao que os chamou pela graça de Cristo, vos passeis tão ligeiro a outro evangelho, não que haja outro, mas que há alguns que vos perturbam e querem deformar o Evangelho de Cristo. Mas mesmo se nós mesmos ou um anjo do céu vos anunciasse um evangelho distinto do que vos anunciamos, seja anátema!”(Gálatas 1, 6-8)
Como o cardeal Burke assinala, nós como católicos “devemos sempre ensinar e defender todo o poder que Cristo quis conferir a seu Vigário na terra.” Inclusive às vezes “devemos ensinar e defender esse poder dentro [do sector] dos ensinamentos da Igreja.” O cardeal Burke finalizou sua palestra com estas palavras do Decreto de Graçano:
“Nenhum mortal deveria ter a audácia de repreender o Papa por suas falhas, porque aquele que tem o direito de julgar a todos os homens não pode ser julgado por nenhum, a menos que lhe devêssemos chamar a atenção por ter-se desviado da fé; todos os fiéis oram insistentemente por sua posição perpétua, tomando em conta que eles consideram que sua salvação depende mais de sua segurança [de qualquer desvio da fé]” (Decretum Magistri GratianiConcordia Discordantium Canonum, 1a, dist. 40, c. 6, Si papa; Item ex gestis Bonifacii Martyris). [Ênfase agregada na notícia original]
Enquanto o cardeal Burke insiste deste modo em sua palestra em que consideremos atentamente os limites da autoridade papal – assim como havia falado previamente sobre o conceito de apostasia explícita e implícita -, o cardeal Walter Brandmüller falou em sua palestra do dia de hoje sobre a questão do papel dos fiéis leigos na preservação da fé Católica.
Com respeito ao cardeal John Henry Newman, Brandmüller apresenta sua tese “frente a uma profunda e estremecedora crise de Fé.” Com Newman, Brandmüller assinala a crise ariana do século IV onde “os Bispos falharam em sua maioria,” ao não ser deste modo capazes de apresentar um testemunho unificado e incluso contradizendo-se uns aos outros. Nas palavras do cardeal Newman, “a Tradição Divina confiada à Igreja infalível foi proclamada e preservada muito mais pelos fiéis que pelo episcopado.” Aqui, o Dogma da Divindade de Cristo foi “defendido muito mais pela ‘Ecclesia docta’ que pela ‘Ecclesia docens,’” segundo Newman. Os fiéis leigos permaneceram deste modo “leais a sua graça batismal.”
Como Brandmüller explica, um sensus fidei deste tipo, como o mostrado no século IV, pode tornar-se visível já seja na rejeição do erro ou também no testemunho da verdade. Mostra que ambos, o papa Pio IX e Pio XII haviam consultado aos fiéis antes de proclamar o dogma Mariano, ambos em 1854 e em 1950, respectivamente. Brandmüller fala magnificamente aqui do “testemunho de fé dos leigos” além “das convicções vivas da Fé” dos fiéis.
O cardeal Brandmüller  – historiador da Igreja e antigo presidente do Pontifício Comitê de Ciências Históricas – insiste em sua exposição que o sensus fidei não pode ser interpretado como uma forma de plebiscito. Reintroduzindo aqui a muito descuidada realidade e indispensabilidade da Graça, o cardeal alemão também se refere ao “corpus mysticum do Cristo ressuscitado e glorificado” em quem todos nós fiéis estamos unidos em um “organismo sobrenatural.” “Aqui por suposto que há leis válidas além das leis sociológicas e políticas – é a realidade da Graça que aparece à vista. Assim, explica Brandmüller, os fiéis recebem, através do Batismo, “a graça santificante, a qual é uma realidade sobrenatural e ontológica à qual faz que os homens sejam santos, justos e agradáveis a Deus.” As três virtudes teologais de Fé, Esperança e Caridade têm sido assim infundidas em nossos corações. Deste modo, diz Brandmüller: “O modo e a maneira na qual a divina virtude da fé se torna efetiva é, junto a outros fatores, o sensus fidei dos fiéis.” Estando em estado de Graça e recebendo deste modo os Presentes Divinos, os fiéis podem receber “um profundo entendimento da verdade revelada.”
O cardeal Brandmüller nos apresenta belissimamente a sensus fidei como um “tipo de sistema imune espiritual que induz ao fiel a reconhecer e rejeitar instintivamente o erro.” Como explica:
“Sobre este mesmo sensus fidei também está baseado – junto à Divina Promessa – a infalibilidade passiva da Igreja, ou seja, a certeza de que a Igreja em seu conjunto não pode cair nunca em um erro de fé.”
Além disso, o prelado alemão torna claro que este sensus fidei não é necessariamente encontrado na maioria dos católicos. Assim, enquanto pode haver um testemunho massivo para a Fé, também poderia haver uma apostasia massiva. O sensus fidei não é necessariamente o que é apresentado em público como a opinião dos católicos, como a Comissão Teológica Internacional afirmou corretamente em 2014. Amiúde, também a “verdade da Fé” está sendo preservada “nos corações dos fiéis,” de acordo com o documento de 2014, citou Brandmüller. Para manter esse sensus fidei, explica o documento vaticano, “se requer santidade. Ser santo quer dizer, em essência… ser batizado e viver a fé pelo poder do Espírito Santo.” (Como nota à margem: este documento também o conceito importante de um “instinto sobrenatural” neste sentido.)
Em conclusão, o cardeal Brandmüller assinala o fato de que tais fiéis não somente têm o “direito de liberdade de expressão” na Igreja, baseados no “sentido de fé e amor,” como também – de acordo com seu conhecimento, responsabilidade e posições de prominência- “às vezes inclusive têm o dever de comunicar [sua opinião] a seus pastores quando se trata do bem-estar da Igreja.”
Como exemplos proeminentes de tais expressões de opinião, o prelado alemão menciona aqui, entre outros, a participação de milhares em marchas pró-vida al redor do mundo, o chamado filial ao papa Francisco com respeito a Amoris Laetitia firmado por cerca de um milhão de católicos, assim como a correção filial firmada “por mais de 200 acadêmicos respeitados no mundo.”
Portanto conclui: “Seria tempo de o Magistério pôr apropriada atenção aos testemunhos de Fé.”
Fonte: One Peter Five - Cardinals Burke and Brandmüller on Schism, Papal Authority, and the Sensus Fidei

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