quinta-feira, 25 de maio de 2017

Quatro filósofos ateus e dois teístas explicam por que se Deus não existe o coerente é ser amoral

Cuatro filósofos ateos y dos teístas explican por qué si Dios no existe lo coherente es ser amoral
Em nome de que condenar as grandes atrocidades do século XX se não é em nome de uma lei moral absoluta e de seu
Legislador?

Tradução de Airton Vieira – És célebre a sentença de Fiodor Dostoievski em Os irmãos Karamazov: "Se Deus não existe, tudo está permitido"[1]. Mas tem fundamento? Um recente artigo em Unione Cristiani Cattolici Razionali (página web de apologética católica baseada na ciência e a razão), publicado sob o título "A líquida amoralidade, única escolha coerente se não há Deus", argumenta que sim baseando-se tanto em autores ateus como teístas:

Se Deus não existe, então não existe o fundamento da moral, não se pode falar de valores, de direitos, nem de um Bem ou de um Mal absolutos, mas só de um débil e caprichoso relativismo extremo. Quem o reconheceu foi Joel Marks, filósofo laico da Universidade de New Haven, em seu Manifesto amoral: "Fiz o surpreendente descobrimento de que os fundamentalistas religiosos têm razão: sem Deus não há moralidade. O ateísmo implica amoralidade e posto que eu sou ateu devo, em consequência, abraçar a amoralidade".


Joel Marks é professor emérito de Filosofia na Universidade de New Haven (Connecticut).

Também o ativista Matt Dillahunty, ex presidente da Atheist Community de Austin (Texas), o  confirmou indiretamente: "O campo de concentração nazista de Dachau, foi objetivamente um mal? Não sei, não sei. Se poderia dizer que o Holocausto foi evidentemente um mal porque não foi um bem para as vítimas; o problema é que as pessoas decidem por si só que é o bem. Se crescem no darwinismo social do regime nazi poderiam crer que o Holocausto foi o melhor para o bem-estar da sociedade em conjunto".



Matt Dillahunty pede coerência: como não crê em Deus, não pode dizer que Auschwitz fosse algo objetivamente malo.

Não emitir nenhum juízo de valor (o "não sei" de Dillahunty) se converte, assim, no enfoque obrigado.
 
Se não existe nada nem Ninguém preexistente ao homem, então não existem o Bem e o Mal preexistentes, independentes do homem. Tudo é uma mera opinião que tem, ao seu tempo, o mesmo valor que a opinião contrária. Quem decide, de fato, quem tem razão? Por que deveria eu eleger o bem se o que consigo é uma desvantagem pessoal, sendo esta a única vida que tenho para viver? "Ao não existir a verdade", escreveu o filósofo Emanuele Severino, "a rejeição da violência segue sendo uma fé que, de fato, não pode ser mais verdade que a fé (mais ou menos boa) que crê, em troca, que a violência deve ser exercida e que há que destruir o homem" (Carlo Maria Martini e Umberto Eco, Em que creem os que não creem?).



O pensamento de Emanuele Severino foi considerado nos anos 1970 pela Congregação para a Doutrina da fé como incompatível com o cristianismo.

Em 2011, o filósofo americano William Lane Craig refutou o argumento principal de quem, compreensivelmente, rejeitam ter que abraçar a amoralidade como única posição coerente com sua não-fé. De fato, baseando-se em Platão, afirmam que a existência do Bem é uma espécie de ideia auto-subsistente, uma entidade em si e por si. O Bem, simplesmente, existiria. A justiça, a misericórdia, o amor e a tolerância existiriam em si mesmos, sem necessidade de ter um fundamento. Mas "esta visão", explicou Lane Craig, "é simplesmente incompreensível. Que significa que o valor moral da justiça subsiste em si mesmo? Compreendo que significa dizer que alguma ação é justa, mas deste modo os valores morais pareceriam ser propriedade das pessoas, pelo que é difícil entender como a justiça pode existir só como uma espécie de abstração".



William Lane Craig, filósofo analítico e teólogo cristão. Ensina Filosofia e Ética em uma escola de Teologia em Los Angeles (Califórnia). Por sua contundência argumental, é um debatedor mui temido em seus debates com os ateus, que tem frequentado em numerosos foros.

Além disso, é um ponto de vista frágil porque apoia o relativismo e implica não ter obrigação moral alguma. «Suponhamos, pelo mero prazer de discutir, que valores morais como a justiça, o amor e a tolerância subsistem por conta própria. Por que deveriam impor-me uma obrigação moral? Por que a existência deste reino das ideais deveria fazer de mim uma pessoa misericordiosa? Quem ou que estabelece dita obrigação?». Há que observar, também, que se se assume este ponto de vista, significa que «vícios morais como a cobiça, o ódio ou o egoísmo presumivelmente existem também como abstrações. Na ausência de um Legislador moral, ninguém me obriga a alinhar minha vida a uma série de ideias abstratas mais que a outra. Na ausência de uma Lei moral dada, a moral ateia platônica não tem nenhuma base de obrigação moral». Portanto, voltamos ao início.
 
O existencialista Jean-Paul Sartre admitiu: «Sem Deus desaparece toda possibilidade de encontrar valores em um céu inteligível, em nenhuma parte está escrito que o bem existe, que há que ser honestos, que não se deve mentir» (em O existencialismo é um humanismo, 1945). 


Se Deus não existe, o bem tampouco: Sartre foi honesto ao menos nessa conclusão.

Sem Deus tudo está permitido. Mas a consequência mais devastadora de ter que abraçar a amoralidade e o relativismo extremo é que a vida se submerge «em uma selva de obstinada pluralidade», explicou o filósofo francês Philippe Nemo, diretor do Centro de Investigação em Filosofia Econômica na ESCP Europe. «A ausência de uma visão unificadora» condena a afirmar que o «sem-sentido seria o único e verdadeiro Sentido. As grandes catástrofes como a Shoah [Holocausto] deveriam ter feito raciocinar o homem moderno: se de fato não existe um Bem absoluto, que sentido tem falar de um Mal absoluto? E se não existe um Mal absoluto, que sentido tem, então, condenar a Shoah?».


Philippe Nemo é professor de filosofia política e história das ideias políticas.

Deste modo, as atividades humanas vinculadas ao sem-sentido «e privadas de um fundamento transcendente, se dispersam em um absurdo movimento browniano, que condena o homem a tentar criar-se um significado a sua medida, segundo uma preocupação parcial da que é mui consciente e compreendendo, justamente, que todas as pequenas coisas das que ele se ocupa acabarão no abismo ao não estar amparadas por algo maior» (Philippe Nemo, 
A bela morte do ateísmo moderno).
 
O amor à coerência deveria levar, por conseguinte, a admitir que sem um fim transcendente a vida se reduz, inevitavelmente, ao absurdo líquido do subjetivismo moral e, portanto, ao nihilismo. E, não obstante, acrescenta o filósofo Nemo, «a íntima consciência de cada homem sabe que esta falta de sentido é um erro», uma injustiça com a natureza humana que aspira ao infinito, que anela o Sentido e que percebe continuamente a existência de valores objetivos e de um Bem e um Mal necessários e preexistentes a si mesmo.
 


Fonte: Religion en Libertad - Cuatro filósofos ateos y dos teístas explican por qué si Dios no existe lo coherente es ser amoral
[1] Tese brilhantemente desenvolvida pelo jesuíta argentino Alfredo Sáenz em seu livro “El fin de los tiempos y siete autores modernos” (4ª ed. Gladius, 2008), cuja tradução ao português aguarda publicação. (ndt)

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