quarta-feira, 19 de agosto de 2015

As origens apostólicas da Missa Tridentina

 





A Missa "tridentina" não foi inventada por São Pio V nem pelo Concílio de Trento, mas remonta aos tempos apostólicos. A liturgia, de fato, não é a expressão de um sentimento dos fiéis, mas "a" oração oficial da Igreja; é Dogma rezado. Contém algo eterno que não foi construída por mãos humanas. "Ecce ego sum vobiscum", diz Cristo à sua Igreja (Mt 28:20).

Introdução

O termo "Missa Tridentina" ou "Missa de São Pio V" indica, em geral, a celebração do rito de acordo com o chamado Vetus Ordo, ou seja, antes da reforma litúrgica pós-conciliar. Se trata de  duas expressões inadequadas, já que  é verdade que o Papa Pio V publicou um Missal após o Concílio de Trento, na realidade, não fez senão fixar, e circunscrever cuidadosamente um ritual que já estava em uso em Roma há séculos. Ela remonta, no essencial, pelo menos mil anos antes, precisamente ao Papa Gregório Magno. Deste último pontífice resulta também o nome mais correto, mas não exaustivo, de rito gregoriano. Sem exaustiva porque a partir de São Gregório Magno, como veremos, o ritual remonta aos tempos apostólicos, ligado à Última Ceia e ao sacrifício sangrento de Jesus Cristo, do qual cada Missa é a representação constante da atualização porém, sem derramamento de sangue.

Observou-se, com razão, que a Missa (bem como o velho breviário) não tem autor, uma vez que uma grande parte dos seus textos não podem se dizer quando  tiveram origem nem quando tiveram uma sistematização definitiva. Todos, portanto, <<percebia que era algo eterno e não construído por mãos humanas>>. É verdade que o nosso Missal Romano – como diz o Beato Ildefonso Schuster -  representa um conjunto << a obra mais elevada e importante da literatura eclesiástica, a que reflete melhor a vida da Igreja, o poema sagrado nele se têm posto mão céu e terra ".

"Nosso Canon - afirma Adrien Fortescue - está intacto, como todo o esquema da Missa. Nosso Missal ainda é o de Pio V. Temos que agradecer  que o seu mandato tenha  sido muito escrupuloso em manter ou restaurar a antiga tradição romana. Em essência, o Missal de São Pio V é o Sacramentário Gregoriano, inspirado no livro gelasiano, que por sua vez depende da coleção leonina. Nós encontramos as orações de nosso Canon no tratado De Sacramentis, e referências ao mesmo Canon no século IV. Portanto, a nossa Missa remonta, sem alterações essenciais, à época em que pela primeira vez se desenvolveu da mais antiga da Liturgia [...] Apesar dos problemas não resolvidos, apesar das sucessivas mudanças não existe na cristandade outro rito tão venerável como o nosso.

Antes de aprofundar no específico da matéria, parece oportuno recordar e reiterar alguns princípios fundamentais da sagrada liturgia, que parecem terem sido esquecidos com consequências aberrantes suficientes como para reduzir as sagradas Synaxis à celebrações
«etsi Deus non daretur» (como se Deus não existisse). O que significa de fato a morte da Liturgia.

O primeiro princípio é que a liturgia não é, nunca foi e nunca será, a expressão do sentimento dos fiéis ao seu Criador. É, antes, o cumprimento por parte dos fiéis de seu dever para com Deus, você deve expressar-se de acordo com os ensinamentos divinos. É o chamado ius divinum, ou seja, o direito de Deus ser adorado como Ele estabeleceu. A liturgia não é qualquer oração que os fiéis dirigem espontaneamente a Deus, mas "a oração oficial da Igreja”: não há nada nela para se inventar, inovar ou se adaptar. <<A liturgia jamais foi propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade>> (Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 52). Não é "a expressão da consciência de uma comunidade, de outra forma dispersa e em mudança". Em virtude disto, a liturgia católica não é e não pode ser "criativa". Não pode ser pela simples razão de que não é um produto humano, mas a obra de Deus, como tem sublinhado repetidamente o Santo Padre (na época, se trata do cardeal Ratzinger). É interessante notar a este respeito como já no primeiro século, a Liturgia - embora ainda em um estado primitivo - tinha o seu próprio fim de que os cristãos consideravam remontável ao próprio Cristo. Fortescue nota que desde a sua criação, as orações dos primeiros cristãos nunca consistiu em reuniões organizadas para seu próprio conforto. Demonstra-nos com evidência meridiana a primeira carta de São Clemente aos Coríntios, que tem a seguinte redação: “1. Temos de fazer  com ordem tudo que o Senhor nos manda cumprir no tempo estabelecido. 2. Ele nos mandou fazer as oferendas e as  liturgias, e não de forma aleatória e sem ordem, mas em circunstâncias e horários estabelecidos. 3. Ele mesmo, com sua vontade soberana, determina onde e por quem quer que se cumpram, para que tudo que se faça santamente com sua santa aprovação seja grato à Sua vontade. 4. Aqueles que fazem as suas ofertas dentro dos prazos estabelecidos são apreciados e amados. Eles seguem as leis de Deus e não erram. 5. Ao sumo sacerdote são conferido serviços litúrgicos especiais, aos sacerdotes foram atribuídas tarefas específicas e aos levitas lhes incumbem seus próprios serviços [as ordens menores abolidas por Paulo VI, Ministeria quaedam]. O leigo  está ligado aos preceitos leigos”(Capítulo XL). Desde o primeiro século, portanto, há no Culto Divino uma ordem bem estabelecida e uma hierarquia considerada proveniente  do Senhor.

Em segundo lugar, a liturgia está enraizada na Tradição,  fonte de revelação junto com as Escrituras. “A liturgia - diz o grande liturgista dom Guéranger - é a mesma Tradição em seu mais alto grau de poder e solenidade”; Ela é “a mais santa da sabedoria da Igreja, em virtude de ser exercida pela Igreja em união direta com Deus na confissão (de fé), oração e louvor.” A liturgia, em outras palavras, é o dogma rezado.
Os inimigos da Igreja conhecem profundamente este princípio. Eles sabem que o povo de Deus é instruído, em primeiro lugar, por e nas sagradas Synaxis. Demolidas aquelas, a fé é demolida.

Com visão profética Guéranger tinha entendido que o ódio contra a liturgia católica é um denominador comum dos diversos inovadores que se sucederam no decorrer dos séculos, que para atacar o Dogma católico começaram seu trabalho de destruição feroz a partir da Liturgia. "O primeiro caracter da heresia antilitúrgica – escreve - é o ódio da Tradição nas fórmulas do culto divino. Não pode negar a presença deste caráter específico em todos os hereges, desde Vigilâncio à Calvino, e a razão é fácil de explicar. Cada seita que pretende introduzir uma nova doutrina se encontra necessariamente na presença da Liturgia, que é a Tradição em sua máxima potência, e não encontrará descanso enquanto não calarem essa voz, enquanto não houverem  arrancado essas páginas que remontam a fé de séculos passados. Na verdade, de que maneira se há estabelecidos e mantido nas massas o luteranismo, calvinismo, anglicanismo? Para alcançar este objetivo não foi preciso fazer outra coisa que substituir novos livros e novas fórmulas aos livros e às  fórmulas antigas, e assim tudo foi consumado.

A Tradição precede às Escrituras e abrange um campo muito mais amplo. É uma fonte de revelação que é distinta da Sagrada Escritura, fonte que merece a mesma fé (assim expressam o Concílio de Trento e do Vaticano I). São Vicente de Lerins († 450 ca) considerava genuína tradição apostólica aquela que satisfazia simultaneamente as três seguintes condições:
quod semper, quod ab omnibus, quod ubique,  é o que foi acreditado em todos os tempos, por todos os fiéis e em todos os lugares
A tradição está presente na liturgia, que contém as orações, os ritos do culto público e dos sacramentos. Não é por acaso que já nas primeiras décadas dos anos 400 já foi encontrado a máxima " legem credendi lex statuat supplicandi", ou seja, que a oração litúrgica (supplicandi lex) é uma fonte (statuat) de cognição teológica (legem credendi).
Esta máxima milenar – sobre a qual retornaremos - indica a importância vital e e a utilidade de manter inalterada e em uso a liturgia tradicional, especialmente a Santa Missa, para salvaguardar a fé.Também indica que (e sem medo de ferir a criatividade dos sacerdotes e dos fiéis) a criação de novas liturgias pode facilmente danificar a fé (e de fato corrompe) introduzindo ritos e orações destituídas de rigor teológico que garanta uma interpretação inequívoca e ortodoxa.
Neste sentido, o ostracismo a que se condena o missal de São Pio V, síntese e expressão de uma tradição milenar que se remonta - através de várias etapas -  aos tempos apostólicos, constitui, ainda hoje, um sinal claro do ódio à tradição que sempre caracterizou a mente dos inovadores de todas as épocas.


1. Origem divina da liturgia

Em sua célebre obra As instituições litúrgicas, o venerável Dom Prosper Guéranger, liturgista eminente e abade de Solesmes, afirma ser a liturgia algo tão grande que, para encontrar a sua fonte deve voltar para o próprio Deus: já que Deus, na contemplação de suas perfeições infinitas, se louva e se glorifica sem cessar, amando-se com um amor eterno. Mas esses mesmos atos praticados na Essência Divina, têm sido manifestação visível e propriamente litúrgica só quando uma das  três Pessoas divinas, tendo tomado a natureza humana, foi capaz de cumprir os seus deveres religiosos para a gloriosa Trindade.

“Deus, declara dom Guéranger, amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que ele o instruísse no cumprimento do trabalho litúrgico. Depois de ter sido anunciada e prefigurada por quarenta séculos, ao mundo foi oferecida uma oração divina foi cumprido um sacrifício divino para a eternidade, o Cordeiro imolado desde a fundação do mundo é oferecido sobre o altar sublime do céu e cumpre a  inefável Trindade, de forma infinita, todos os deveres da religião em nome dos membros do qual Ele é a Cabeça”.


Devemos, no entanto, ter em conta que, mesmo antes da Encarnação do Verbo - o mundo nunca tinha ficado sem liturgia, uma vez que, a Igreja se remonta ao início do mundo, de acordo com a doutrina de Santo Agostinho, a Liturgia remonta a este mesmo princípio.

No Antigo Testamento, a liturgia é realizada pelos primeiros homens no principal e mais augusto de seus atos: o sacrifício. Basta pensar nos sacrifícios de Caim e Abel, no de Noé que o perpetua após o dilúvio. Abraão, Isaac, Jacob oferecem sacrifícios de animais e erguem pedras para o altar que prefiguram o altar e o sacrifício futuro. Então Melquisedeque, envolto no mistério de um Rei-Pontífice, segurando em suas mãos o pão e o vinho oferece um Holocausto pacífico, que também está contido no Sacrifício de Cristo.

Durante toda época primitiva as tradições litúrgicas não são flutuantes e arbitrárias, mas precisas e definidas. È evidente que não são uma invenção humana, mas imposta pelo próprio Deus; na verdade, o Senhor elogiou Abraão por ter observado não só as suas leis e preceitos, mas também suas cerimônias.

Ao chegar a plenitude dos tempos o Verbo se fez carne e habitou entre nós: Ele não veio para destruir, mas cumprir e até mesmo aperfeiçoar as tradições litúrgicas. “Depois de seu nascimento, ele foi circuncidado, oferecido ao Templo, resgatado. Com a idade de doze anos, ele cumpriu a visita ao Templo e, depois, vinha muitas vezes oferecer suas orações. Ele cumpriu sua missão com o jejum de quarenta dias; santificou o sábado; consagrou, por exemplo, a oração noturna. Na Última Ceia, na que celebrou a grande Ação litúrgica, e previu o seu futuro cumprimento até o final dos tempos, começou com o lava pés, que os Padres chamaram um mistério, e terminou com um solene hino antes de ir para o Monte das Oliveiras. Algumas horas mais tarde a sua vida mortal, que não era senão um grande ato litúrgico celebrado com o derramamento de sangue no altar da cruz; o véu do templo antigo, dividindo-se, abriu com uma transição para novos mistérios, proclamou um novo tabernáculo, uma arca de eterna aliança, e desde então a Liturgia começou seu período completo no que toca ao culto da terra” (P. Guéranger).

2. A obra de Jesus Cristo

É necessário e essencial  -no campo dos estudos da sagrada Liturgia - reconhecer se o Senhor Jesus tenha reconhecido – ao menos implicitamente -  as diretrizes gerais do sistema litúrgico que se relacionam com a substância do Culto cristão.

Seguindo os passos do Aquinate, que afirma que “
per suam Passionem Christus initiavit ritum christianae religionis” se pode imediatamente observar que foi Cristo que inaugurou o culto cristão, iniciando-o de uma forma Incruenta (sem derramamento de sangue na Última Ceia) para consumá-lo com Sangue no Calvário. “Devemo-lhe não só a instituição da graça dos sete sacramentos, como definido pelo Concílio de Trento, mas também o rito externo dos três mais importantes deles: Batismo, Eucaristia e  Penitência. Do Batismo ele estabeleceu matéria e forma [...]. Da Eucaristia também definiu a matéria -o pão e o vinho - e as palavras ditas na consagração por ele na Última Ceia. “Hoc est corpus meum … hic est sanguis meus...” [...] Além disso, porque a Eucaristia deve ser o sacrifício da nova lei e, conseqüentemente, o ato litúrgico mais importante, até mesmo estabelecer modalidades substanciais que deviam celebrar-se”. Segundo o relato dos Evangelhos Sinópticos, conclui-se que o Senhor Jesus:

a. Instituiu a Eucaristia gratias agens, isto é, pronunciando uma fórmula eucarística ou de ação de graças, provavelmente fazendo uso das habituais bênçãos judaicas próprias do rito da Páscoa, mas enriquecida para essa circunstância excepcional, e ordenou que seu ato fosse repetido.

    b. Impôs aos Apóstolos que, ao renovar o que Ele tinha feito, o comemorace
«hoc facite in meam commemorationem» ou como  melhor explíca são Paulo, proclamasse a sua morte «mortem Dominis annuntiabitis donec veniat» (1 Cor 11,26).

    c. Quis que a oblação sacrificial comemorativo que os Apóstolos deviam perpetuar mantivesse, como Ele tinha feito, à maneira de convívio. Se tratava, portanto, de um banquete sacrificial em que os crentes participavam com a ingestão da Vítima mística.

É razoável perguntar, neste momento, se durante sua vida terrena Jesus deu outras normas litúrgicas. Podemos responder que sim, embora seja difícil determinar exatamente qual delas realmente remontam a ele em efeito .:

 a. Os atos observam que  Jesus, no tempo transcorrido entre a Ressurreição e a Ascensão , muitas vezes apareceu aos Apóstolos
«loquens de regno Dei». Agora, uma  das tradições mais antigas da Igreja afirma que n estas reuniões frequentes Ele, entre outras coisas, também criou muitas peculiaridades de Culto. Ele não tinha dito antes de sua morte: “Eu tenho muitas coisas a dizer-lhe que agora você não conseguiria entender?”. Eusébio relata que St. Helena construiu sobre o Monte das Oliveiras uma pequena igreja em uma caverna onde, segundo a tradição antiga, «discipuli et apostoli […] arcanis mysteriis initiati fuerunt»." O Testamentum Domini (século V) coloca os Apóstolos, no dia da própria Ressurreição, questionando o Senhor sobre "quoniam cânone, ille (SCIL qui Ecclesiæ præest.) Debeat ordinare constituere et Ecclesiam [...] quomodo sint mysteria Ecclesiæ tractanda "(com o qual regra aquele que é a cabeça da Igreja deve estabelecer e dirigir a Igreja [...] como devem ser tratados os mistérios da Igreja); e Jesus responde explicando em detalhes as várias partes da liturgia. Esta tradição é também reconhecida por são Leão, que diz que “os dias entre a Ressurreição e a Ascensão não passaram ociosamente, sem que durante os mesmos, os sacramentos foram confirmados e foram revelados grandes mistérios” . E Sisto V recorda na bula Immensa: “essa regra para crer e rezar que Cristo ensinou aos seus discípulos durante um período de 40 dias não há ninguém entre os católicos que ignorem que Ele confiou a eles através da Seu Igreja para ser guardado e desenvolvido”.
   
 b. O Papa são Clemente, um discípulo dos Apóstolos († 99), por escrito, à comunidade de Corinto, refere-se, como já mencionado -  a ordenanças positivas do Senhor a cerca da ordem a seguir nas posições, na gradualidade e nos momentos da liturgia.

    c. São Justino, depois de descrever toda a ordem da celebração eucarística,afirma que esta se celebra no domingo, porque nesse dia Nosso Senhor <<
apostolis et discipulis visus, ea docuit, quae vobis quoque consideranda tradidimus>>. Isso significa, portanto, que as principais partes da Missa é datada de volta para o Magistério de Cristo no dia da sua Ressurreição. Convenhamos admitir que a afirmação é genérica; mas tanto Justino como o Anónimo del Testamentum Domini, refletem claramente, uma antiga tradição difundida, antiga  e nada inverossímil. Além disso, a mesma uniformidade que ocorre no campo litúrgico nas comunidades cristãs dos primeiros dois séculos revela um princípio de autoridade, um método de ação, ou seja, uma organização primitiva que se remete não aos Apóstolos, mas ao próprio Cristo "[20].

OBS: Também se observa que durante sua vida terrena Jesus praticou, em algumas circunstâncias, cerimônias especiais tais como, levantar o olhos para o céu antes de bendizer e orar (Mt 14,19; Jo 17,01), rezar de joelhos (Lc 22,41), impor as mãos (Mc 8,25), tocar com a saliva (Mc 7,33; 8,23), bendizer (Mc 14,22).

3. A liturgia no tempo dos Apóstolos

Se, portanto, o Senhor traçou as linhas principais do culto litúrgico cristão, acredita-se que para o que Ele não tenha definido, terá deixado uma grande liberdade para a iniciativa iluminada dos Apóstolos, a quem ele havia investido com a sua própria missão divina e que lhes tinha dado as faculdades os necessárias, tornando-os não só propagadores da palavra evangélica, mas também ministros e administradores dos mistérios. O poder litúrgico tinha sido fundado e declarado perpétuo para velar pela custódia do depósito dos sacramentos e de outras observâncias ritualistas que o Sumo Pontífice tinha instituído.

Os apóstolos, em seguida, continuam a tarefa de estabelecer e promulgar uma série de ritos. É por isso que o Concílio de Trento, tratando na sua 22ª sessão das augustas cerimônias do Santo Sacrifício da Missa, declara esta estar relacionada com a instituição apostólica, as bênçãos místicas, as velas acesas, incensações, as vestes sagradas, e em geral, todos os detalhes se encaixam para revelar a majestade deste grande ato, e para trazer as almas dos fiéis a contemplação das coisas sublimes escondidas neste mistério profundo através destes sinais visíveis de religião e piedade.

"Este sagrado Concilio – assinala dom Guéranger – Não havia chegado a fazer esta afirmação por via de incertas conjecturas deduzidas de premissas vagas: este falava como falava o mesmo dos primeiros séculos. Invocava a tradição primitiva, isto é, -  apostólica,- como tinha invocado eloquentemente Tertuliano desde o século III [...]. São Basílio também chama a tradição apostólica como uma fonte das mesmas observâncias, que acrescenta, como exemplo, o seguinte: Orar para o leste; consagrar a Eucaristia no meio de uma fórmula de invocação que não está registrado nem em São Paulo, nem no Evangelho; abençoe a água batismal e o óleo da unção, etc. Não só Basílio e Tertuliano, mas toda a antiguidade, sem exceção, admite expressamente a esta grande regra de Santo Agostinho, que se tornou banal por força de repetição: “É muito razoável pensar que uma prática conservada por toda a Igreja e não estabelecida pelos Concílios, mas sempre conservada, não pode ter sido transmitido senão pela autoridade dos Apóstolos.”

Mas se os apóstolos devem ser considerados, certamente, como os criadores de todas as formas litúrgicas universais, porém eles tiveram que adaptar o rito, nas suas partes móveis, aos costumes do país, o gênio do povo, para facilitar difusão do Evangelho: daí as diferenças prevalecentes entre algumas liturgias orientais que são mais ou menos trabalho direto de um ou mais Apóstolos, e a Liturgia do Ocidente da qual, a de Roma, deverá conhecer em São Pedro sua autoridade principal.

É verdade que o Príncipe dos Apóstolos, aquele que  tinha recebido do mesmo Cristo, o “poder das chaves”, não podia ignorar a instituição ou regulamentação das formas gerais da liturgia que seus irmãos levavam a todo o mundo. "A partir do momento que nós aceitamos o seu poder como cabeça, temos de admitir, portanto, sua principal influência neste como em todo o demais, e reconhecer, com fez santo Isidoro, que devemos remontar a Pedro, como fundador, toda a ordem litúrgica que é universalmente observada em toda a Igreja. Em segundo lugar, quanto a liturgia particular da Igreja de Roma, o mero senso comum nos faz perceber que este apóstolo não poderia ter parado em Roma naqueles anos, sem se preocupar com um assunto tão importante, sem estabelecer -na língua latina e para o serviço desta Igreja,  que ele fez por livre escolha, mãe e mestra de todas as demais – uma forma que, tendo em conta as variantes que exigia a diferença de costumes, hábitos e gênios  se correspondesse ao menos àquela que ele havia instituído e praticado em Jerusalém, Antioquia, Pontus e Galácia”.

No entanto, devemos ter em mente que a formação da liturgia através dos Apóstolos ocorreu gradualmente. São Paulo, em sua primeira Carta aos Coríntios, nos mostra esta nova Igreja já em posse dos Mistérios do Corpo e Sangue do Senhor; sem perda de que - com as palavras
«caetera cum venero disponam» - demonstra querer dar   disposições mais precisas sobre as coisas sagradas. “Este é o sentido em que os santos doutores têm dado constantemente a estas palavras que concluem a passagem desta carta que fala da Eucaristia; São Jerônimo, em seu breve comentário sobre esta passagem, expõe assim: «caetera de ipsius Mysterii Sacramento». Santo Agostinho desenvolve este pensamento em sua carta ad Januarium: “estas palavras – disse - dar a entender que, da mesma maneira que ele tinha se referido na sua carta aos usos da Igreja universal (acerca da matéria e a essência do Sacrifício), instituído (em Corinto) estes ritos, nos quais a diversidade de costumes não se opõe de forma alguma a universalidade” .

Recolhendo dos Atos e das Epístolas dos Apóstolos, assim como os testemunhos da tradição dos primeiros cinco séculos, pode reconstruir esses ritos gerais que, por sua generalidade, devem ser considerados como apostólico, de acordo com a Regra de Santo Agostinho já referida.


Fonte: Adelante la fé - LOS ORÍGENES APOSTÓLICO-PATRÍSTICOS DE LA “MISA TRIDENTINA”

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