segunda-feira, 13 de julho de 2015

Mecânica Quântica e Misticismo: Esclarecendo confusões

Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si.
Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. (2 Tm 4: 3-4)

Quantum Jesus - Jesus Quântico


 

A mecânica quântica, desde seu surgimento, sempre foi objeto de debates acalorados de físicos e filósofos. Arquitetada sobre conceitos nada comuns para explicar fenômenos físicos tampouco usuais, tem sido aplicada hoje em dia a uma diversidade enorme de assuntos, para espanto de muitos. Está na moda que místicos elaborem suas doutrinas quânticas aplicando jargões de maneira inescrupulosa. Sem o menor pudor, usam a reputação da teoria física para “validar” suas mais vãs filosofias. O que poucas pessoas avaliam é: até que ponto é válido transportar conceitos de uma área para outra?

A teoria quântica nasceu em 1900, de maneira totalmente imprevista, para explicar um problema de importância subestimada na física. A maneira como os corpos aquecidos irradiam luz. Como a sua lâmpada de filamento em casa, ou o Sol, por exemplo. Seu criador foi um físico alemão, Max Planck. Ele mesmo a considerou “moderninha” demais para seu paladar de físico do século XIX. Quem deu o primeiro reconhecimento à teoria foi outro físico alemão, mais conhecido, Albert Einstein. Ele aplicou-a para explicar o efeito fotoelétrico e o calor específico dos sólidos. Somente alguns anos depois é que a teoria ganhou corpo e prestígio. Seus aspectos incomuns foram sendo reconhecidos aos poucos.



Destes, o mais conhecido é o princípio da incerteza, que foi elaborado por outro físico alemão, Werner Heisenberg. Segundo este princípio, na natureza é impossível medir com precisão infinita, simultaneamente, alguns pares de grandezas físicas. Como a velocidade e a posição de uma partícula, por exemplo. Por isso o nome, princípio da incerteza. Sempre há uma indeterminação intrínseca nas medidas. Isso se deve, segundo Heisenberg, ao fato de que o ato de medir inexoravelmente interfere no objeto medido. O interessante é que esta indeterminação não se resume à experiência. É preciso, acreditam os físicos, levá-la em conta também na hora construir a teoria, de elaborar as equações. É curioso que Einstein, apesar de ter sido um dos primeiros a usar a física quântica, tenha se oposto veementemente, sem sucesso, a esta conclusão. A grande revolução da mecânica quântica foi, portanto, acabar com o determinismo da mecânica clássica.

Mas o objetivo aqui não é discutir física. A ideia é deixar claro algo que, apesar de óbvio, é sempre esquecido. O domínio e a aplicabilidade da mecânica quântica é o mundo da física! Não é lícito tirar um conceito de uma área e aplicar diretamente a outra. É possível fazer uma analogia, usar comparações, claro. Porém, não se podem usar as mesmas construções teóricas da física para fazer “teologia”. Você não pode querer usar a mecânica quântica para explicar Deus, nem nossas almas, ou o mundo espiritual, por exemplo. Ela não foi criada pra isso. Não é neste campo que ela funciona. Ela funciona na física e, por isso mesmo, é lá que ela ganhou respeito.

Entretanto, o pior não é usar construções teóricas da mecânica quântica como se fossem teológicas. O pior é usar a autoridade que ela conquistou no seu domínio, a física, para justificar teorias absurdas. Argumentos do tipo “Já foi provado pela mecânica quântica...”, ou “Segundo a mecânica quântica...” são completamente desprovidos de sentido quando usados fora da física. O que foi provado pela quântica, foi provado somente para a física. Além do mais, este tipo de afirmação usa uma velha tática maldosa de persuasão, conhecida como “argumento de autoridade”. Esse tipo de construção é usado quando, na verdade, não se consegue provar o que se deseja!

Vários livros e filmes recentes, além de aplicarem a mecânica quântica fora de seu contexto, a distorcem totalmente, inventando coisas que não existem na teoria. Os mais conhecidos são o livro “O Segredo” e o filme “Quem somos nós”. Enganam o público dizendo que o observador interfere no objeto com o pensamento e que isso é explicado pela mecânica quântica. Um pensamento não é uma interação física com o objeto medido, não é uma medição. Está, portanto, fora do escopo do princípio da incerteza.

Entendo que seja uma conclusão natural a validade de fazer especulações filosóficas baseadas na mecânica quântica, mas tomando o devido cuidado de não aplicar seus conceitos físicos diretamente, e sim como analogias, inspirações. Evidentemente que isto não justifica o uso indevido que se tem feito ultimamente por muitas pessoas que distorcem totalmente o que a teoria diz. Aplicam estas distorções diretamente a áreas radicalmente diferentes e, maldosamente, iludem os menos precavidos com argumentos de autoridade que não têm valor algum, especialmente fora da física.


Escrito pelo professor Alexandre Zabot, da Universidade Federal de Santa Catarina (SC), físico e Doutor em Astrofísica, no site Aleteia - Mecânica Quântica e Misticismo: Esclarecendo confusões.



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