quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Os enciclopedistas



Voltaire foi um dos primeiros e dos mais poderosos agentes da Revolução.

Esta se propôs, dissemos — e nisto seguimos Haller, Leão XIII, e muitos outros, e mais ainda, seus próprios desígnios — o aniquilamento de toda religião e a derrubada de toda autoridade. Voltaire se encarregou da primeira parte desse programa, senão na totalidade, ao menos em sua parte mais elevada, o aniquilamento da religião de Cristo.

Concebeu ele esse projeto por si próprio, ou lhe foi sugerido? Condorcet não o diz, mas nos dá esta informação: “Foi na Inglaterra que Voltaire jurou consagrar sua vida a esse projeto; e manteve a palavra”.

Fez ele promessa no seu foro íntimo, ou prestou-a a conjurados? Esta última suposição parece a mais verossímil. “Foi na Inglaterra”, diz Condorcet. Ora, em sua primeira viagem àquele país (1725-1728), Voltaire foi recebido como franco-maçom dos num sodalícios descritos por Toland no seu Pantheisticon dedicado aos Lectori Philometho et Philaleti. (Essa denominação Filaletes será a de uma das lojas de Paris mais avançadas no movimento revolucionário). Durante esses três anos de estada no solo inglês, Voltaire levou “a vida de um rosa-cruz sempre ambulante e sempre escondido”.

Aqui não estamos mais nas trevas intransponíveis das primeiras épocas da franco-maçonaria; estamos, como observa Claudio Jannet, num terreno histórico perfeitamente seguro. É a época da viagem de Voltaire à Inglaterra e de sua iniciação na franco-maçonaria pelos ingleses, que data da fundação das primeiras lojas na França, pelo menos daquelas constituídas para preparar a Revolução.2 Elas foram estabelecidas pelos ingleses, e nas cidades onde as relações com eles eram frequentes. Tais foram as de Dunquerque e de Mons, em 1721; Paris, em 1725; Bordeaux, em 1732; Valenciennes, em 1735; Havre, em 1739.


À Voltaire juntaram-se, inicialmente, d'Alembert, Frederico II e Diderot. Voltaire foi o chefe da conspiração; d'Alembert, o seu mais astuto agente; Frederico, o protetor, frequentemente o conselheiro; Diderot, o filho perdido. Todos os quatro estavam penetrados por um profundo ódio ao cristianismo: Voltaire porque invejava o divino Autor e todos aqueles cuja glória Ele produziu; d'Alembert porque nascera com o coração ruim; Frederico porque conhecia o catolicismo apenas através dos inimigos deste; Diderot porque era louco pela natureza, com a qual pretendia, como os humanistas, substituir o culto do Deus vivo. Eles arrastaram um grande número de homens de todas as classes em sua conspiração.

Mas o que melhor mostra seu desígnio é a palavra que constantemente se repete sob sua pena e sobre seus lábios. “Todos os conspiradores, diz Barruel, tem uma linguagem secreta, uma senha, uma fórmula ininteligível para o leigo, mas cuja explicação secreta desvenda e lembra sem cessar aos adeptos o grande objetivo de sua conspiração. A fórmula escolhida por Voltaire consistiu nessas três palavras: “Esmagai a infame”. “O que me interessa, escrevia ele a Damilaville, é o aviltamento da infame”. “Engajai todos os irmãos em perseguir a infame de viva voz e por escrito, sem lhe dar um momento de descanso”. “Fazei, tanto quanto puderdes, os mais inteligentes esforços para esmagar a infame”. “Esquecemos que a principal ocupação deve ser esmagar a infame”. “Nossa situação é tal que somos a execração do gênero humano, se (nesse esforço) não tivermos em nosso favor as pessoas de bem (as pessoas da alta sociedade). É preciso, pois, tê-los todos, não importa a que preço: Esmagai a infame, eu vos digo”.

Qual é essa infame que era preciso assim perseguir sem descanso, aviltar, esmagar, não importa a que preço e através dos esforços de todos os conjurados?

Na boca de Voltaire e na de todos os seus adeptos, essas palavras significavam constantemente: Esmagai a religião que adora Jesus Cristo. Abundam as provas disso em sua correspondência. Esmagai a infame, é desfazer o que os Apóstolos fizeram; é combater Aquele que os deístas e ateus combateram; é correr para cima de todo homem que se declare por Jesus Cristo. É o sentido que Voltaire vincula a essas palavras, e esse sentido não é menos evidente em sua pena do que na de outros. O cristianismo, a seita cristã, a superstição “cristícola”, são sinônimos sob a pena de Frederico. D'Alembert é mais reservado no uso dessa palavra, mas ele a toma sempre no pensamento que Voltaire lhe dá. Os outros conjurados não compreendem de outra forma essa “senha”. Eles não a acham suficientemente forte para exprimir o voto diabólico que está em seus corações. A extensão que eles dão à sua conjuração não deve deixar sobre a terra o menor vestígio da doutrina ou do culto do divino Salvador.

O meio que julgaram dever empregar preferencialmente a qualquer outro para esmagar a infame foi atacar a fé nas almas. “Minar surdamente e sem ruído o edifício, escrevia Frederico a Voltaire, é obrigá-lo a cair por si mesmo” (29 de julho de 1775). No entanto, mesmo nisso d'Alembert advertia de serem prudentes e de não quererem ir rápido demais. “Se o gênero humano se ilumina, dizia ele ao observar o efeito produzido pela Enciclopédia, é porque se tomou a precaução de iluminá-lo pouco a pouco”.

Os conjurados faziam da Enciclopédia o depósito de todos os erros, de todos os sofismas, de todas as calúnias inventadas até então contra a religião.

Enquanto procuravam abalar os fundamentos da fé, os conjurados trabalhavam em fazer desaparecer seus defensores, e antes de todos os religiosos. Foi o segundo meio que empregaram para chegar a seus objetivos.

A partir de 1743, Voltaire foi encarregado de uma missão secreta junto ao rei daPrússia, com a finalidade de secularizar os principados eclesiásticos.

Na França não havia eleitores eclesiásticos a despojar, mas havia Ordens a suprimir. Os primeiros atacados foram os jesuítas. Choiseul deu a razão dessa escolha: “Sendo destruída a educação que dão, todos os outros corpos religiosos cairão por si próprios”. Sabemos como chegaram à supressão dos religiosos.

O terceiro meio foi a propaganda. A correspondência desses conjurados mostra-os atentos em mutuamente se darem contas das obras que preparam contra o cristianismo, dos frutos que esperam, da arte com a qual se empregam para garantir o sucesso. Eles as mandavam imprimir na maioria das vezes na Holanda, e cada mês surgiam novas.

Para obter a faculdade de divulgá-las, eles tinham homens poderosos na corte, ministros mesmo que sabiam fazer calar a lei e favorecer esse comércio de impiedade.

Em sua correspondência, os conjurados se felicitam pelos sucessos que obtêm na Suíça, na Alemanha, na Rússia, na Espanha, na Itália. O que mostra que em seu pensamento, a conjuração confessada de destruir o cristianismo não estava limitada à França. Brunetière assinala: “A Enciclopédia era uma obra internacional”. Relativamente à Inglaterra, eles não têm nenhuma solicitude; ela regurgita, dizem, de socinianos. No que diz respeito à França, Voltaire e d'Alembert lamentam os obstáculos que aí encontram, apesar do que acabamos de dizer relativamente à ajuda que eles encontravam nas camadas elevadas da sociedade. Onde eles não podiam difundir os escritos abertamente ímpios ou licenciosos, ele publicavam outros que tinham por finalidade colocar em voga as grandes palavras como tolerância, razão, humanidade, das quais a seita não deixou de fazer uso, fiel à recomendação de Condorcet, que dizia delas fazer seu grito de guerra.

Para se apoderar do povo, recorreu-se ainda a outros meios. Barruel assinala particularmente aquele empregado pelos que se autodenominavam “economistas”, porque se diziam amigos do povo, preocupados com seus interesses, desejosos de aliviar sua miséria e de fazerem observar mais ordem e economia na administração.

Esses economistas tinham persuadido Luís XV que o povo dos campos e os artistas das cidades apodreciam numa ignorância fatal a si próprios e ao Estado, e que era necessário criar Escolas profissionais. Luís XV, que amava o povo, acolheu esse projeto com desvelo, e se mostrou disposto a tomar recursos próprios para fundar essas escolas. Bertin dissuadiu-o. “Faz muito tempo, disse ele, que eu observava as diversas seitas de nossos filósofos. Compreendi que se tratava muito menos de dar aos filhos do lavrador e do artesão lições de agricultura do que impedi-los de receberem as lições habituais de catecismo ou da religião.

Barruel relata os temores e os remorsos que manifestou, três meses antes de sua morte, um grande senhor que tinha exercido as funções de secretário desse clube dos “Economistas”: “Nós só admitíamos em nossa sociedade aqueles a respeito dos quais estávamos muito seguros. De medo que suspeitassem do objetivo, nós nos denominávamos de economistas. Tivemos Voltaire como presidente honorário e perpétuo. Nossos principais membros eram d'Alembert, Turgout, Condorcet, Diderot, La Harpe, Lamoignon, ministro da Justiça, e Damilaville, a quem Voltaire atribui como aspecto principal do caráter o ódio a Deus”.

Esse clube tinha sido fundado entre os anos 1763 e 1766. No momento em que a Revolução estourou, ele trabalhava, pois, há pelo menos vinte e cinco anos, para seduzir o povo, sob o especioso pretexto de auxiliá-lo a aliviar seus males.

Para chegar ao grande objetivo de sua conjuração, os sectários julgaram que não seria suficiente empregar os meios gerais que acabamos de descrever e para os quais todos deveriam concorrer com um esforço comum. Eles atribuíram a cada um deles um trabalho particular ao qual se consagraram mais especialmente.

Voltaire se encarregou dos ministros, dos duques, dos príncipes e dos reis. Quando ele não podia aproximar-se pessoalmente do príncipe, ele o cercava. Ele havia colocado junto a Luís XV um médico, Quesnay, que soube muito bem assenhorear-se das idéias do rei, que o chamava de seu “pensador”. E o meio escolhido pelo pensador para se imiscuir no espírito do rei foi aquele empregado pelos economistas: chamar sua atenção sobre o que podia fazer a felicidade do povo.

D'Alembert foi encarregado ou se encarregou de recrutar jovens adeptos. “Tratai, escrevia-lhe Voltaire, tratai, de vossa parte, de esclarecer a juventude tanto quanto puderdes” (15 de setembro de 1762). Jamais uma missão foi cumprida com mais habilidade, zelo e energia. D'Alembert se fixou como o protetor de todos os jovens que vinham a Paris com algum talento e algum dinheiro. Ele os atraía pelas recompensas, pelos prêmios, pelas presidências acadêmicas a respeito das quais dispunha mais ou menos soberanamente, seja como secretário perpétuo, seja por suas intrigas. Sua influência e suas manobras nesse gênero se estendiam bem além de Paris. Ele teve êxito em colocá-los em todas as províncias da Europa e todos o mantinham a par da propaganda filosófica.

Era sobretudo junto aos jovens príncipes destinados a governar os povos que importava aos conjurados colocar preceptores iniciados nos mistérios.

A correspondência deles mostra a atenção em não negligenciar um meio tão poderoso. Usaram de todos os artifícios para colocar junto ao herdeiro de Luís XVI um padre disposto a inspirar seus princípios ao ilustre aluno, como eles tinham conseguido colocar o abade Condillac junto ao Infante de Parma . No entanto, não foi dado aos conjurados verem o filosofismo sentado sobre o trono dos Bourbons, como estava sobre os tronos do Norte. Mas Luís XV, sem ser ímpio, sem poder ser contado entre o número de seus adeptos, nem por isso deixou de ser uma das grandes causas do progresso da conjuração anticristã. Ele o foi pela dissolução de seus costumes e pela publicidade de seus escândalos. Ademais, Luís XV se cercou ou se deixou rodear de ministros sem fé, que tiveram relações íntimas com Voltaire e seus conjurados.

É verdadeiro dizer que os conjurados tirados do corpo eclesiástico eram quase todos daqueles que se chamavam “abades de corte”. Barruel presta uma homenagem bem merecida ao conjunto do clero da França na véspera da Revolução. Ele louva particularmente os eclesiásticos que, por seus escritos, se esforçaram em entravar a corrupção dos espíritos, tão ardentemente perseguida pelos conjurados.


A Conjuração Anticristã, O Templo Maçônico que quer se erguer sobre as ruínas da Igreja Católica – Mons. Henri Delassus.

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