sábado, 18 de outubro de 2014

A verdadeira História do Sínodo da Família‏


A verdadeira história deste Sínodo. Diretor, atores, auxiliaries. 
Novos paradigmas sobre divórcio e homossexualidade são agora especialidade da casa para os vértices da Igreja. Nada foi decidido, mas o Papa Francisco é paciente. Um historiador americano refuta a tese de "A civilização Católica" 

Sandro Magister - Chiesa.espresso - Tradução: Gercione Lima


ROMA, 17 out 2014 - "E voltou a soprar o espírito do Concílio", foi o que disse o cardeal filipino Luis Antonio Tagle G, uma estrela em ascensão na hierarquia mundial, bem como um historiador do Vaticano II. E é verdade. No sínodo que está prestes a terminar há muitos elementos em comum com o que aconteceu naquele grande evento. 

A semelhança mais impressionante é a distância entre o sínodo real e o sínodo virtual veiculado pela mídia. 

Mas existe uma semelhança ainda mais substancial. Tanto no Concílio Vaticano II como neste sínodo,  as mudanças de paradigma são o produto de uma condução meticulosa. Um protagonista do Concílio Vaticano II como Don Giuseppe Dossetti – habilíssimo estrategista entre os quatro cardeais moderadores que estavam no comando da máquina conciliar - o afirmou com orgulho. Ele disse que "virou a sorte do Concílio", graças à sua capacidade de pilotar a assembléia, algo que ele aprendeu com a sua prévia experiência política como líder do maior partido italiano. 

E também nesse sínodo aconteceu o mesmo. Seja a abertura à comunhão para divorciados novamente casados - e, portanto, a admissão por parte da Igreja do segundo casamento -  seja a impressionante mudança de paradigma em temas ligados à homossexualidade incluídos na "Relatio post disceptationem" não teriam sido possíveis sem uma série de passos habilmente calculados por aqueles que tinham e tem o controle dos procedimentos.

Para entender isso, basta refazer os passos que levaram a este resultado, ainda que o fim provisório do sínodo - como se verá - não esteja à altura das expectativas de seus diretores. 

O primeiro ato tem como protagonista a própria pessoa do Papa Francisco. Em 28 de julho de 2013, numa conferência à imprensa no avião que o trouxe de volta a Roma depois de sua viagem ao Brasil, ele lança dois sinais que terão um impacto fortissimo e duradouro sobre a opinião pública mundial. 

O primeiro, diz respeito ao tratamento dos homossexuais: 

"Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boas vontade, mas quem sou eu para julgá-lo?"

A segunda é sobre a admissão do segundo casamento: 

"Um parêntesis: os ortodoxos seguem o teologia da economia, como eles a chamam, e dão uma segunda chance [ao casamento], o permitem. Creio que este problema - fecho parênteses - deve ser estudado no âmbito da pastoral do matrimônio." 

Segue-se assim em outubro de 2013 a convocação de um sínodo sobre a família, o primeiro de uma série de dois sínodos sobre o mesmo tema no giro de um ano, com decisões adiadas até depois do segundo. Para secretário geral dessa espécie de “sínodo permanente” e  prolongado o papa nomeia um cardeal sem experiência alguma a este respeito, mas ligadíssimo ao Sumo Pontífice, Lorenzo Baldisseri. E para esse evento coloca ainda ao seu lado, como secretário especial, o bispo e teólogo Bruno Forte, uma das principais figuras da linha teológica e pastoral que teve seu farol no cardeal jesuíta Carlo Maria Martini e entre os seus principais adversários primeiramente, João Paulo II e em seguida Bento XVI. Uma linha descaradamente aberta à uma mudança da doutrina da Igreja em matéria sexual. 

A convocação do sínodo está associada ao lançamento de um questionário de alcance mundial, com perguntas específicas sobre as questões mais controversas, incluindo a comunhão aos recasados e uniões homossexuais. 

Também graças a esse questionário -  seguido da publicação intencional das respostas por parte de algumas Conferências Episcopais de língua alemã – se injeta na opinião pública a idéia de que se tratam de questões que  devem ser assumidas como “abertas” não só na teoria como também na prática. 
Uma prova desse “avanço de sinal”, é por exemplo, o fato de que a Arquidiocese de Friburgo, Alemanha, governada pelo presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Robert Zollitsch, em um documento de um de seus escritórios pastorais encoraja o acesso da comunhão aos divorciados novamente casados simplesmente com base em "uma decisão de consciência." 

De Roma, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard L. Müller, reagiu republicando no dia 23 de outubro de 2013 no "L'Osservatore Romano" uma nota de sua autoria que já havia saído quatro meses antes na Alemanha e na qual ele confirma e explica a proibição da comunhão aos divorciados recasados. 

De nada valeu sua advertência para que a Arquidiocese de Friburgo retirasse aquele documento. Pelo contrário, tanto o cardeal alemão Reinhard Marx como o cardeal hondurenho Óscar Rodríguez Maradiaga, usando palavras ainda mais duras criticaram Müller por sua “pretensão” de encerrar a discussão sobre o assunto. Cabe lembrar que tanto Marx como Maradiaga fazem parte do conselho de oito cardeais nomeados pelo papa Francisco para assisti-lo no governo da Igreja universal. O papa não interveio a favor de Müller. 

Nos dias 20 e 21 de Fevereiro de 2013, os cardeais se reuniram em Roma para o consistório. Papa Francisco pede-lhes para debater sobre a família e delega ao Cardeal Walter Kasper a responsabilidade pela relação introdutória. O mesmo Kasper que durante os anos  90 tanto batalhou pelo fim da proibição à Comunhão para os recatados, mas que naquela época acabou derrotado por João Paulo II e Joseph Ratzinger. 

No consistório, realizado por trás de portas fechadas, Kasper relançou na íntegra as suas teses. Vários cardeais se levantaram contra ele, mas Francisco o recompensou com altíssimos elogios. Mais tarde, Kasper começa a dizer que ele "combinou" com o papa todas suas propostas. 

Além disso, Kasper recebeu do Papa o privilégio de poder romper com o sigilo sobre as coisas que ele disse durante o consistório, ao contrário de todos os demais cardeais.  Quando no dia 01 de março, seu relatório saiu como uma surpresa no jornal italiano "Il Foglio", a mesma relação  já estava sendo impressa pela editora Queriniana e a repercussão dessa publicação foi imensa. 

No início da primavera, para contrabalançar o impacto causado pela proposta de Kasper, a Congregação para a Doutrina da Fé programou a publicação de uma intervenção em direção oposta no "L'Osservatore Romano" feita por um cardeal do primeiro escalão.  Mas contra a publicação deste texto imediatamente veio o veto do papa. 

As teses de Kasper são no entanto, objeto de severas e bem embasadas críticas por parte de um grande número de cardeais, que por várias vezes falaram em diferentes órgãos da imprensa. Às vésperas do Sínodo, cinco destes cardeais voltam a publicar em um livro suas intervenções precedentes, com a contribuição de de ensaios feitos por outros estudiosos e de um alto dirigente da cúria, um arcebispo jesuíta, especialista na praxis matrimonial das Igrejas Orientais. Kasper,  então com um amplo respaldo na mídia, deplorou a publicação do livro acusando-o de ser uma afronta destinada a atingir o papa. 


No dia 5 de outubro, é aberto o Sínodo. Ao contrário de como era feito no passado, as intervenções durante as assembléias não são tornadas públicas. O cardeal Müller protesta contra esta censura, mas é tudo em vão. Mais uma prova, diz ele: "que eu não faço parte da diretoria." 

Compondo o centro de operações do Sínodo estão oa secretários geral e especial, Baldisseri e Forte.  E esses contam com todo o apoio do Papa, pois foram escolhidos pessoalmente por ele, são eles que se encarregarão de escrever a mensagem e a "Relatio" final, ambos pertencentes ao partido da mudança, liderado pelo seu ghostwriter (escritor fantasma ) de confiança Víctor Manuel Fernández, arcebispo e reitor  da Universidade Católica de Buenos Aires. 

Que esta é a verdadeira sala de comando do sínodo torna-se por demais evidente na segunda-feira 13 outubro, quando diante de duzentos jornalistas de todo o mundo, o Cardeal delegado que figura como autor formal  da "Relatio post disceptationem", o húngaro Péter Erdo, ao ser interrogado sobre os parágrafos relativos à homossexualidade, se recusa a responder e cede a palavra a Bruno Forte, dizendo: ". Aquele que escreveu o trecho deve saber o que dizer. Perguntem a ele." 

Quando lhe pediram para esclarecer se os parágrafos sobre a homossexualidade poderiam ser interpretados como uma mudança radical no ensinamento da Igreja sobre a matéria, o Cardeal Erdo respondeu: "Certamente", marcando também aqui sua discordância. 

Na verdade, esses parágrafos não refletem uma orientação expressa nas assembléias deliberativas por um número consistente de padres - como se espera ler em uma "Relatio" final - mas sim coisas que foram ditas por não mais que dois indivíduos em meio a quase duzentos. Um deles é o jesuíta Antonio Spadaro, editor da "A civilização católica" nomeado pessoalmente como membro do Sínodo pelo Papa Francisco. 

Na terca-feira 14 de outubro, em conferência à imprensa, o cardeal Sul Africano Wilfrid Napier denuncia com palavras afiadas o efeito da prevaricação cometida por Forte ao inserir na "Relatio" aqueles parágrafos explosivos sobre homossexualidade. Eles, disse o Cardeal, colocaram a Igreja em uma posição "irremediável", sem saída. Pois agora essa "é a mensagem do partido”: é o que diz o sínodo, isso é o que diz a Igreja. A esse ponto não tem correção que dê jeito, tudo o que podemos fazer é tentar limitar os danos." 

Na realidade, nos dez círculos linguísticos em que os Padres sinodais prosseguem as discussões, a "Relatio" sofreu um verdadeiro massacre. Começando pela sua linguagem "touffu, filandreux, excessivement verbeux et donc ennuyeux", conforme denuncia impiedosamete o relator official do grupo "Gallicus B" de língua francesa, que apesar de ter entre eles dois especialistas nesse idioma como Christoph Schönborn e Godfried Danneels, o conteúdo por eles apresentado é igualmente vago e ambíguo. 

Ao retomar na quinta-feira, 16 outubro, os trabalhos na assembléia, o secretário-geral Baldisseri, ladeado pelo papa, avisa que os relatórios dos dez grupos não serão revelados ao público. Explode o protesto. O Cardeal australiano George Pell, que tem um físico e temperamento de jogador de rugby, é o mais intransigente ao exigir a publicação dos textos. O Cardeal Secretário de Estado Pietro Parolin se associa a ele e Baldisseri acaba tendo que ceder. No mesmo dia, o Papa Francisco se vê forçado a integrar o grupo encarregado de escrever o relatório final, e ainda teve que incluir o arcebispo de Melbourne Denis J. Hart e, especialmente, o combativo Sul-Africano Cardeal Napier. 

E o Cardeal Napier, no entanto, tinha razão. Porque, independentemente do resultado deste sínodo programaticamente privado de conclusão, o efeito desejado por seus diretores foi em boa medida alcançado. 

Tanto sobre a homossexualidade como sobre o divórcio e o segundo casamento, de fato, o novo verbo reformador introduzido no circuito mundial da mídia vale com muito mais eficácia do que o acolhimento das propostas de Kasper e Spadaro por parte de alguns padres sinodais. 

O jogo poderá durar um longo tempo. Mas o Papa Francisco é paciente. Na "Gaudium Evangelii", ele escreveu: "o tempo é superior ao espaço." 

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