sábado, 8 de junho de 2013

A Existência de Deus

Ninguém pode pensar o oposto de algo que é evidente por si. Ora, podemos pensar o contrário da existência de Deus, pois de acordo com o Salmo 52: “O insensato diz em seu coração: Deus não existe”. Logo, a existência de Deus não é evidente por si.

Algo pode ser evidente por si de duas maneiras: seja em si mesmo e não para nós; seja em si mesma e para nós. Uma proposição é evidente por si se o predicado está incluso na razão do sujeito. Exemplo: o homem é um animal, porque animal faz parte da razão do homem. Se, por conseguinte, a definição do sujeito e a do predicado são conhecidas de todos, esta proposição será evidente por si para todos. É o que acontece com os primeiros princípios de demonstração, cujos termos são tão gerais que ninguém os ignora. Se alguém ignorar a definição do predicado e a do sujeito, a proposição será evidente por si em si mesma; mas não para quem ignora o sujeito e o predicado da proposição.

A proposição Deus existe, enquanto tal,  é evidente por si, porque nela o predicado é idêntico ao sujeito. Deus é seu próprio ser. Mas como não conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós; precisa ser demonstrada por meio do que é mais conhecido para nós, ainda que por sua própria natureza seja menos conhecido, isto é, pelos efeitos.

Deve-se dizer que está impresso naturalmente em nós algum conhecimento geral e confuso da existência de Deus, isto é, Deus como felicidade do homem, pois o homem deseja naturalmente a felicidade, e o que por sua própria natureza ele deseja, naturalmente também conhece. Mas esse conhecimento não é absoluto da existência de Deus, assim como conhecer  que alguém está chegando não é conhecer Pedro, embora seja Pedro que está chegando. Muitos pensam que a felicidade, consiste nas riquezas, outros nos prazeres, ou em qualquer outra coisa.

Demonstração da Existência de Deus. O Apóstolo diz na Carta aos Romanos: “ As perfeições invisíveis de Deus se tornariam visíveis à inteligência, por sua obras”. Mas isso não aconteceria se pudesse demonstrar a existência de Deus, pois o que primeiro se deve conhecer de algo é se ele existe.

Existe dois tipos de demonstração: uma pela causa, e se chama, propter quid; ela parte do que é anterior de modo absoluto. Outra, pelos efeitos, e se chama quia; ela parte do que é anterior para nós. Sempre que um efeito é mais manifesto do que sua causa, recorremos a ele a fim de conhecer a causa. Ora, por qualquer efeito podemos demonstrar a existência de sua causa, se pelo menos os efeitos  desta causa são mais conhecidos  para nós, porque como os efeitos dependem da causa, estabelecida a existência do efeito, segue-se necessariamente a preexistência de sua causa. Por conseguinte a existência de Deus não é evidente para nós, pode ser demonstrada pelos efeitos por nós conhecidos.

Portanto deve-se dizer que a existência de Deus e as outras verdades referentes a Deus, acessíveis à razão natural, como diz o Apóstolo, não são artigos de fé, mas preâmbulos artigos. A fé pressupõe o conhecimento natural, como  a graça pressupõe a natureza, e a  perfeição o que é perfectível. No entanto, nada impede que aquilo que, por si, é demonstrável e compreensível, seja recebido como objeto de fé por aquele que não consegue apreender a demonstração.

Deve-se dizer que quando se demonstra uma causa por seu efeito, é necessário empregar o efeito, em vez da definição da causa, para provar sua existência. O que se verifica principalmente quando se trata de Deus.

A partir de um feitio qualquer pode-se demonstrar claramente a existência da causa um conhecimento perfeito; mas, como se disse, a partir de um efeito qualquer pode-se demonstrar claramente a existência da causa. Assim, partindo das obras de Deus, pode-se demonstrar sua existência, ainda que por  elas não possamos conhecê-lo perfeitamente quanto à sua essência.

 As cinco vias de provar a existência de Deus. A primeira, e a mais clara, parte dos movimentos. Nossos sentidos atestam, com toda certeza, que algumas coisas se movem. Ora, tudo o que se move é movido por outro. Nada se move que não seja em potência em relação ao termo de seu movimento; o que move o faz enquanto se encontra em ato. Mover nada mais é, portanto, do que levar algo de potência ao ato. Como o fogo, quente em ato, torna a madeira que está em potência para o calor, quente em ato e assim a move e altera. É preciso que tudo o que se move seja movido por outro. Assim, se o que move é também movido, o é necessariamente por outro, e este por outro ainda. Ora, não se pode continuar até o infinito, pois neste caso não haveria o primeiro motor, por conseguinte, tampouco outros motores. Pois os motores segundo se movem pela primeira moção do primeiro motor. É então necessário chegar a um primeiro motor, não movido por nenhum outro, e este todos entendem: é Deus.
A segunda via parte da razão de causa eficiente. Encontramos nas realidades sensíveis a existência de uma ordem entre as causas eficientes; mas não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si próprio. Tampouco é possível, entre as causas eficientes, continuar até o infinito, por que entre as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa das intermediárias e as intermediárias são a causa da última, sejam elas numerosas ou apenas uma.  Por outro lado, supressa a causa, suprime-se também o efeito. Portanto, se não existisse a primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária. Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que chamamos Deus.

A terceira via é tomada do possível e do necessário. Encontramos entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Consequentemente podem ser e não ser. Mas é impossível ser para sempre o que é de tal natureza, pois o que pode não ser não é em algum momento. Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora nada existiria; pois o que não é só passa a  por intermédio de algo que já é. Aqui também não é possível ir até o infinito, portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa de necessidade para os outros: Deus.

A quarta via se toma dos graus que se encontram nas coisas. Encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom ou verdadeiro. Mais e menos se dizem de coisas diversas  conforme elas se aproximam diferente mente daquilo  que é em si o máximo.  Assim, mais quente é o que mais se aproxima do que é sumamente quente. Por outro lado, o que se encontra no mais alto grau em determinado gênero é a causa de tudo que é desse gênero; assim o fogo, que é quente, no mais alto grau, é causa de calor de todo e qualquer corpo aquecido, como é explicado. Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa de ser, de bondade e de toda a perfeição; Deus.

A quinta via é tomada do governo das coisas. Vemos que algumas coisas que carecem de conhecimento, como os corpos físicos, agem em vista de um fim, o que se manifesta pelo fato de que, sempre ou na maioria das vezes, agem da mesma maneira, a fim de alcançarem o que é ótimo. Fica claro que não é por acaso, mas em virtude de uma intenção, que alcançam o fim. Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro.
Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos de Deus.

Portanto, deve-se dizer com Agostinho “Deus, soberanamente bom, não permitiria de modo algum a existência de qualquer mal em suas obras, se não fosse poderoso e bom a tal ponto de poder fazer o bem a partir do próprio mal”. Assim, à bondade infinita de Deus pertence permitir males pera deles tirar o bem.
Como a natureza age em vista de um fim determinado  dirigida por um agente superior, é necessário fazer chegar até Deus, causa primeira, tudo o que a natureza faz. Do mesmo modo, tudo o que é feito por uma causa mais elevada, além da razão ou da vontade humana. É necessário, pois, que o que é mutável e falível chegue a um princípio imóvel e necessário por si mesmo.

 
Suma Teológica Vol l; Questão 2; Artigo 2 e 3.

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