domingo, 6 de janeiro de 2013

Dos Sacramentos em Geral

Os escritores profanos empregavam o termo “sacramento” noutro sentido que os escritores eclesiásticos. Aqueles o tomavam para designar a obrigação de quem jura prestar algum serviço. Por isso, chamava-se “compromisso militar” o juramento, pelo qual os soldados se comprometiam a servir fielmente ao Estado. Esta parece ter sido, entre os profanos, a significação mais comum da palavra.
Mas os Padres Latinos usavam em seus escritos a noção “sacramento”, para designar coisa sagrada, que se oculta ao olhar. Julgamos, pois, que, no mesmo sentido, se deve entender a expressão “sacramento” na epístola aos Efésios: “A fim de nos revelar o mistério de Sua vontade”(Ef 1,9); na Epístola a Timóteo: “Sublime é o mistério da piedade” (1Tm 3,16); no livro da Sabedoria: “Eles ignoram os secretos desígnios de Deus” (Sb 2,22).

Por esse motivo, os Doutores Latinos assentaram que havia propriedade em chamar-se “Sacramentos” certos sinais sensíveis, que produzem a graça, ao mesmo tempo que a designam exteriormente, e a tornam quase visível aos olhos. Podem também chamar-se “Sacramentos”, na opinião de São Gregório, porque a Onipotência divina neles opera ocultamente a salvação, sob o véu de coisas corpóreas.
Embora haja várias explicações boas e admissíveis, nenhuma igual à justa e luminosa definição de Santo Agostinho, perfilhada mais tarde por todos os teólogos escolásticos. “Sacramento, diz ele, é o sinal de uma coisa sagrada”. Noutros termos, que exprimem a mesma ideia: “Sacramentos é sinal visível de uma graça invisível, instituído para nossa justificação”.
No sentir de Santo Agostinho, sinal é tudo aquilo que, além de atuar por si em nossos sentidos, nos leva também ao conhecimento de outra coisa concomitante. Assim, pelos vestígios impressos na terra, facilmente conhecemos que ali passou alguém, cujas pegadas aparecem.
Isto posto, é muito claro que os Sacramentos pertencem à categoria dos sinais, porquanto nos mostram exteriormente, por certa imagem e semelhança, o que Deus opera interiormente, em nossa alma, pelo Seu poder invisível.
Através das Escrituras, facilmente se deduz também que os Sacramentos entram na classe dos sinais. Falando da circuncisão, Sacramento da Antiga Aliança, que foi dado a Abraão, pai de todos os crentes, São Paulo assim se exprime na epístola aos romanos: “E ele recebeu o sinal da circuncisão, como distintivo da justificação em virtude da fé” (Rm 4,11). Noutro lugar, quando diz: “nós que fomos batizados em Sua morte” (Rm 6,3) – dá a entender que considera o Batismo como sinal de algum Mistério, porquanto, no dizer do mesmo Apóstolo, “pelo Batismo fomos com Ele sepultados na Sua morte” (Rm 6,4).
Sinal instituído por Deus.  Os sinais naturais, além de darem impressões de si mesmo, dão-nos a idéia de outra coisa a mais. Assim, onde há fumaça, conclui-se que ali há também fogo. Fumaça é um sinal natural, porque a fumaça faz lembrar fogo, não por uma convenção arbitrária, mas pela experiência natural.
Outros sinais há, que não o são por natureza, mas por invensão e intuição humana, para que os homens possam transmitir a outrem suas próprias idéias, e conhecer idéias e intenções alheias.
Além destes sinais já considerados, que se baseiam em convenção humana, existe ainda uma terceira categoria de sinais, diretamente instituídos por Deus.
Como os sinais são múltiplos, pelo que acabamos de ver, assim também a “coisa sagrada” pode ter vários sentidos. Na definição de “Sacramento”, por “coisa sagrada” entendem os teólogos a graça de Deus, que santifica e nos reveste com o hábito de todas as virtudes sobrenaturais. Com razão concordam em darem, a esta graça, o nome de “coisa sagrada”, visto que por sua mediação nossa alma se consagra e se une a Deus.
Outro caráter importante destes sinais místicos, obra de Deus, é que foram instituídos para significar não só uma coisa, mas também várias outras ao mesmo tempo.
É de notar que cada um dos Sacramentos exprime não só a nossa santificação e justificação, mas também a Paixão de nosso Redentor, que é causa de toda santidade, bem como a vida eterna e a bem-aventurança do céu, que são de uma finalidade de nossa santificação.
Motivos para se instituir os Sacramentos:
1. fraqueza do espírito humano. O espírito humano, por experiência, é tão limitado, que o homem não pode chegar ao conhecimento de coisas puramente intelectuais, senão por intermédio de percepções sensíveis. O Criador de todas as coisas quis, em Sua Infinita sabedoria, manifestar essa oculta virtude dos Sacramentos por meios de sinais sensíveis, que fossem também uma prova de Seu amor para conosco.
2. maior confiança nas promessas divinas. Nosso espírito dificilmente põe fé nas promessas que nos são feitas. Por isso é que, desde o início do mundo (Gn 3,15;9,11;13,4), Deus sempre tornava a anunciar Seus desígnios por meio da palavra. Mas, às vezes, quando decretava alguma obra, cuja grandeza podia abalar a confiança em Sua promessa, acrescentava às palavras ainda outros sinais, que não raro tinha o caráter de milagres.
Deus enviou, por exemplo, Moisés que libertasse o povo de Israel (Ex 3,10).Moisés, porém, sem confiar sequer no auxílio de Deus, receou que a empresa superasse suas forças, ou que o povo não o desse crédito. Então Deus confirmou Suas promessas com uma série de vários milagres (Ex 4,2).
3. Medicação para alma pela Paixão de Cristo. A virtude que dimana da Paixão de Cristo, isto é, a graça que nos mereceu no altar da Cruz, deve chegar-nos dos Sacramentos, como que que por uns canais de comunicação. Sem estes meios, não restaria nehuma esperança de nos salvar-nos eternamente.
4. Distinguir os fiéis.  Os Sacramentos serve de senha e divisa para os fiéis se reconhecerem entre si. Conforme disse Santo Agostinho, nenhum grupo pode constituir corpo jurídico, a título de verdadeira ou falsa religião, se os membros componentes não se ligarem entre si, pela convenção de alguns sinais distintivos da sociedade. Ora, os Sacramentos da Nova Lei satisfazem essa dupla exigência, porquanto distinguem dos infiéis os seguidores da fé cristã, e unem os fiéis entre si, mediante um vínculo sagrado.
5. Profissão pública de fé. Pelos Sacramentos fazemos pública profissão de nossa fé, e damo-la a conhecer pela face dos homens. Quando, por exemplo, comparecemos para o Batismo, damos público testemunho de acreditar-mos que, pela virtude da água, em que somos purificados pelo Sacramento, se opera também a ablução espiritual de nossa alma.
6. aumento do amor fraterno. Os Sacramentos servem para inflamar aquela caridade, pela qual devemos amar uns aos outros; porquanto nos recordam que, pela participação dos mesmos Mistérios, nos unimos uns aos outros pelos laços mais estreitos, e nos tornamos membros de um só corpo.
7. repressão ao orgulho. Os sacramentos são para nós uma escola de humildade, pois que nos obrigam a submeter-nos a elementos sensíveis, em obediência a Deus, de quem nos havíamos impiamente separado, para nos fazermos escravos para as coisas deste mundo.
As cerimônias sacramenteais. Temos ainda de tratar  das cerimônias. Não podem omitir-se sem pecado, a não ser que haja necessidade. Contudo, em caso de omissão, devemos cre que se não reduz, de modo algum, a validade do Sacramento, porque as cerimônias não entram como partes essenciais, mas, por ser  conveniente usar certos ritos solenes na administração dos Sacramentos, para que assim déssemos prova de tratarmos santamente as coisas santas.
O primeiro Sacramento é o Batismo, a bem dizer, a porta dos outros Sacramentos, e pelo qual renascemos para Cristo (Jo 3,5).
Depois vem a Confirmação, por cuja virtude crescemos e nos fortalecemos na graça divina., como Nosso senhor disse aos Apóstolos: “Deixar-vos ficar na cidade, até serdes revestidos da força que vem do alto” (Lc 24,49).
Em seguida temos a Eucaristia, alimento verdadeiro celestial, que nutre e conserva nossa alma, conforme disse Nosso Senhor: “ Minha carne é verdadeiramente uma comida, e Meu Sangue é verdadeiramente bebida”(Jo 6,56).
O quarto lugar ocupa a penitência, cuja virtude recobramos a saúde, se a tivermos perdido com as lesões do pecado (Jo 20,22-23).
Depois, a Extrema-Unção nos tira os remanescentes do pecado, e restaura a força da alma. Com relação a este Sacramento, declarou-se São Tiago: “E se tiver em pecados, ser-lhe-ão remidos” (Tg 5,15).
A seguir vem o da Ordem que confere o poder de perpetuar a administração pública dos Sacramentos e o exercício de todas as funções sagradas da Igreja.
Como derradeiro, existe o Matrimônio, instituído a fim de que da legítima união do homem com uma mulher procedem os filhos, e sejam piamente educados para o serviço de Deus, e para a conservação do gênero humano.
Se Deus é quem justifica os homens, e os Sacramentos são os maravilhosos instrumentos para se adquirir essa justificação, força é reconhecer que o único e o mesmo Deus opera, por Cristo, a justificação e produz os Sacramentos.
Deus é, pois, o autor e o ministro propriamente dito dos Sacramentos. Quis, porém, que na Igreja fossem dispensados, não pelos Anjos, mas pelos homens.
No ato sacramental, os ministros não representam a sua própria pessoa, mas a Pessoa de Cristo. Desta forma, sejam eles bons ou sejam maus, produzem e administram validamente os Sacramentos, se aplicarem a forma e matéria que a Igreja sempre observou por instituição de Cristo, e se tiverem a intenção de fazer o que faz a Igreja na administração dos Sacramentos.
Mas, devem os sacerdotes sempre lembrar que os Sacramentos nunca perderem a virtude divina que lhes é inerente; mas que acarretam a ruína e a morte eterna de quem os ministrar com a consciência pevertida. Força é inculcar e repetir sempre de novo: Coisa santa só devem ser tratadas com santo respeito.
Por conseguinte, é mister que os ministros dos Sacramentos se consagrem, antes de tudo, à prática da santidade. Preparem-se para administar os Sacramentos na pureza de consciência.
Os sacramentos da Antiga Lei. Evidentemente, os Sacramentos da Nova Lei possuem maior virtude e sublimidade do que os Sacramentos da Lei Antiga. Estes eram “elementos fracos e pobres” (Gl 4,9), que santificavam os contaminados mediante a purificação do corpo (Hb 9,13), e não da alma. Foram, portanto, instituídos apenas como figuras dos efeitos, que deviam produzir os nossos Sacramentos.
Porém os Sacramentos da Nova Aliança manaram do lado de Cristo, que pelo Espírito Santo Se ofereceu a Si mesmo sem mácula a Deus, e purificou nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo (Hb 9,14).
Catecismo Romano  II Parte; I 1-25.

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